sexta-feira, dezembro 08, 2006

O Principezinho ensinou-me...

(...) E foi então que apareceu a raposa:

- Boa dia, disse a raposa.

- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.

- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...


- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita...

- Sou uma raposa, disse a raposa.

- Vem brincar comigo, pediu-lhe o principezinho. Estou tão triste...


- Eu não posso ir brincar contigo, disse a raposa. Ainda ninguém me cativou...

- Ah! desculpa, disse o principezinho.

Após uma reflexão, acrescentou:

- Que quer dizer "cativar"?

- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?

- Procuro os homens, disse o principezinho. Que quer dizer "cativar"?

- Os homens, disse a raposa, têm espingardas e passam o tempo a caçar. É uma grande maçada! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que fazem. Tu procuras galinhas?

- Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?

- É uma coisa que toda a gente se esqueceu, disse a raposa. Significa "criar laços..."

- Criar laços?

- Exactamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um rapazinho inteiramente igual a cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto não sou para ti senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós passamos a precisar um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

- Começo a compreender, disse o principezinho. Existe uma flor... eu creio que ela me cativou...

(...) Mas a raposa voltou a insistir na mesma ideia:

- A minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens caçam-me. Todas as galinhas são parecidas umas com as outras e todos os homens são parecidos uns com os outros. E por isso eu aborreço-me um pouco. Mas se tu me cativares, a minha vida fica cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

A raposa calou-se e considerou por muito tempo o principezinho:

- Por favor... cativa-me! disse ela.

- Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.

- Só conhecemos o que cativamos, disse a raposa. Os homens deixaram de ter tempo de conhecer o que quer que seja. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens deixaram de ter amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!

- Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.

- É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Primeiro, sentas-te longe de mim, assim, na relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas podes-te sentar cada dia um bocadinho mais perto...

No dia seguinte o principezinho voltou.

- Teria sido melhor teres vindo à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso rituais.

- Que é um ritual? perguntou o principezinho.

- É também uma coisa de que toda a gente se esqueceu, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, têm um ritual. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é um dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!

Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
- Ah! Eu vou chorar.

- A culpa é tua, disse o principezinho, eu não queria fazer-te mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...

- Quis, disse a raposa.

- Mas tu vais chorar! disse o principezinho.

- Vou, disse a raposa.

- Então, não ganhaste nada com isso!

- Ai ganhei sim senhor, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

Depois ela acrescentou:

- Vai ver as rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.

O principezinho foi ver as rosas:

- Vocês não são absolutamente iguais à minha rosa, vocês ainda não são nada. Ninguém ainda vos cativou, nem cativaram ninguém. São como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu tornei-a minha amiga. Ela é agora única no mundo.

E as rosas estavam desapontadas.

- São belas, mas vazias, disse ele ainda. Não se pode morrer por vocês. A minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que vocês todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus debaixo de uma redoma. Foi a ela que abriguei com o biombo. Foi a ela que eu matei as larvas (menos duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.

E voltou, então, à raposa:

- Adeus, disse ele...

- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples:
só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.

- O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

- Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez a tua rosa tão importante.

- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu tornas-te eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...

- Eu sou responsável pela minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.


by Antoine de Saint-Exupéry

1 comentário:

Anónimo disse...

E após um caule de espinhos...
deleitas-te
num suave e doce toque...
de pétalas
pinceladas de carinho puro,
apenas por cuidares de mim…

sê princesa


Obrigado Exupéry